Conheci a Maria Clara Araújo na Beauty Fair. Uma jovem com sorrisão e um cabelo volumoso lindo, capaz de deixar qualquer cacheada querendo um igual. A moça de sorriso sincero em poucos minutos me fez refletir sobre muitas questões sociais, ali, sentada na mesa do estande lotado.

Transexual, a jovem de 19 anos — com maturidade de 30 — cursa pedagogia em uma faculdade federal em Recife, Pernambuco, sua cidade natal. Negra e nordestina, à margem da sociedade, sempre enfrentou muitas dificuldades para conseguir qualquer coisa. Na escola passava por situações difíceis por conta de sua identidade de gênero e era motivo de chacota, fato que ocorre frequentemente nas escolas de todo o país. Segundo ela, se não fosse pelo amor de seus pais, Maria Clara não conseguiria seguir em frente. “Graças a Deus minha mãe me aceitou como eu sou”, diz a mulher que faz parte do curta “Kbela”, que estreia no próximo sábado no Cine Odeon, no Centro do Rio.

Diferente do panorama que vemos atualmente, onde o índice de homicídios a travestis, transexuais, gays e lésbicas aumenta numa progressão gradativa e só vemos casos de violência e intolerância à comunidade LGBT, o caso de Maria Clara é exceção. É que por conta de sua história e seu sorriso largo, a ativista conquistou a equipe criativa da marca carioca Lola Cosmetics, sobretudo a dona da marca Dione Vasconcellos, e se tornou a primeira transexual brasileira a estampar o rosto de uma marca de cosméticos no país. Maria Clara foi quem inspirou a linha de maquiagem “oH Maria!”. Antes, apenas a americana MAKE UP FOR EVER havia lançado uma modelo transgênero para representar a linha de cosméticos da marca.

“A história da Maria Clara é inspiradora. Foi tudo por acaso e não tem ninguém melhor para representar a ‘Oh Maria!’ do que ela. Ela é a definição de tudo que a gente pensa da Lola Cosmetics. A marca atende a todas as pessoas, de todos os gêneros e de todos os estilos”, conta a empresária, que junto com mais duas pessoas, idealiza e realiza todo o processo até que o produto fique exatamente do gosto da consumidora.

Apesar do sorriso largo, Maria Clara é tímida. Ao ser questionada o que a ‘Oh Maria!’ significava para ela, a jovem apenas respondeu: “É uma vitória, significa que eu cheguei lá, eu venci. O caminho para a gente é muito restrito, infelizmente. Não há oportunidades no mercado para pessoas transgêneras. É só a prostituição. Eu consegui ultrapassar essa barreira. Fico muito feliz”, conta a modelo da campanha.

Embora estejamos no meio de uma crise financeira que assola o país, a Lola Cosmetics fez o lançamento da sua primeira linha de maquiagem, e tem perspectiva de crescimento de 30% no segmento de beleza. Como eu já falei aqui para vocês, a indústria de cosméticos foi a única que não foi afetada pela crise.

A linha com embalagens fofas conta com base líquida e cremosa, lápis, blush, pó facial, batom líquido das mais variadas cores e o Cushion, um produto que tem tecnologia coreana e que promete pele sem imperfeições. A marca conta com 11 diferentes cores para atender o maior número de pessoas possível.

Depois da feira, fui para a casa com a cabeça a mil. Principalmente pelo choque de realidade que tive com Maria Clara. Em conversa com a empresária, ela afirmou que apesar de abrir espaço para pessoas de todos os gêneros, até agora só recebeu pouquíssimos currículos da comunidade LGBT. “Quero mostrar para essas pessoas que elas podem, sim, conseguir uma boa colocação no mercado, sem se sentirem desvalorizadas. Sem ter que recorrer à prostituição. Existe lugar para todo mundo. Seria perfeito se as pessoas entendessem isso”, enfatiza a dona da Lola Cosmetics.