Beleza

‘Muito Além da Beleza’: Projeto visa ensinar mulheres deficientes visuais a se automaquiar

Imagina um mundo onde todas as mulheres  possam exercitar um ato de autoconhecimento no momento dedicado a se produzir para alguma ocasião, seja uma maquiagem ou um spa day? Agora inclua também as mulheres que são deficientes visuais, pois elas também precisam se perceber bonitas. Esse é o objetivo do “Muito Além da Beleza”, um projeto que visa ensinar mulheres com deficiência visual a se automaquiar e a se perceber esteticamente, além de trabalhar a autoestima dessas pessoas.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

Idealizado por Sandra Tacla, diretora da Tacla Consultoria de Comunicação e do jornalista Henrique Malveis, a missão, que parecia difícil, já contemplou 70 mulheres em São Paulo. “Identificamos que o Brasil, apesar de ser referência em beleza para outros países, não tinha nenhum projeto que ensinasse automaquiagem para mulheres com deficiência visual. Depois de inúmeras pesquisas e adaptações, nos deparamos com a jovem inglesa cega, Lucy Edwards, que ensinava tutoriais em seu canal na Internet. Com isso, Henrique Malveis e eu tivemos um ponto de partida para criação do projeto piloto com apoio do Jacques Janine e da Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual)”, contou Sandra Tacla.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

Segundo os idealizadores, a ideia do projeto é adaptar as técnicas comuns de maquiagem para permitir que a pessoa com deficiência visual possa aplicá-las em seu dia a dia. Com o trabalho é possível ensinar desde a aplicação de cílios postiços, do blush até o uso do delineador. No entanto, a maior dificuldade encontrada foi  entender até onde é possível ir para a aplicação de técnicas de automaquiagem com cada mulher.

Henrique Malveis afirma que cada turma é uma superação para todos os envolvidos.”Durante as aulas, aprendemos que, apesar da limitação visual, as alunas conseguem aplicar o conteúdo e as técnicas com facilidade. Na aplicação técnica, a maquiadora Chloé Gaya e a pedagoga especializada em deficiência visual Lilian Giacomini, da Laramara, se uniram para adaptar todos os recursos usados na automaquiagem. Além de sermos idealizadores do projeto, a Sandra e eu criamos uma comunicação estratégica para levar a informação que a mulher com deficiência visual também pode se maquiar às pessoas”. E a visibilidade do projeto já repercutiu na imprensa internacional como noticiou o The New York Times, a CNN e a agência de notícias internacionais Reuters.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

O projeto se chama Muito Além da Beleza justamente porque a maquiagem vai além de valorizar o rosto. É um dos instrumentos preciosos para elevar a autoestima de muitas mulheres, independentemente de qualquer deficiência. “Claro, quando falamos de mulheres cegas ou com baixa visão se maquiando, pensar em superação e autoestima é algo natural. Tivemos casos interessantes e motivadores ao longo do trabalho, como da massoterapeuta Geisa Santos, que ficou cega aos 26 anos e, por causa disso, escondia os olhos com óculos escuros. Para se ter uma ideia, depois do curso, ela se sentiu encorajada para tirar os óculos e mostrar sua beleza para o mundo – após viver quase 15 anos com ele. Exemplos como esses são nossos maiores orgulhos e conquistas”, vibra Sandra.

Desafio e técnicas aplicadas com muito esforço

Chloé Gaya, a maquiadora do projeto explica como são exploradas as cores durante o trabalho da automaquiagem e como as mulheres iniciam o processo de autoconhecimento: “As cores são muito subjetivas de modo geral. Cada caso é um caso no nosso curso. Quem já enxergou tem a lembrança dos tons e nós procuramos sempre explicar associando a elementos da natureza e explicando as combinações para elas – por exemplo, associamos o dourado ao sol. Já a beleza, nesse curso, é encarada como algo que se sente de dentro para fora e estimulamos as mulheres a fazerem um reconhecimento facial com um ritual de autocuidados que exige que elas toquem muito o próprio rosto – com higienização, hidratação e proteção, por exemplo. A partir do tato e da sensação de aplicar produtos nas diferentes áreas da face, elas começam a reconhecer o
próprio corpo. A beleza é explorada a partir da individualidade de cada uma, da percepção de suas características únicas e da valorização de cada elemento desses”, explica a diretora artística da rede Jacques Janine.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

Se autoconhecer e se perceber bonita é considerado um grande desafio para as mulheres com deficiência visual. Segundo Chloé, é preciso muito treino e esforço para decorar os movimentos, até que a automaquiagem se torne um hábito e as técnicas fiquem automáticas. “É incrível ver como essas mulheres aceitam esse desafio de aprender a fazer a própria maquiagem – algo muitas vezes difícil até para quem tem a visão perfeita. A diferença da primeira para a última etapa é gritante e é emocionante e inspirador observar a evolução e determinação delas”, esclarece.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

Nascimento de uma nova mulher

“O Projeto “Muito Além da Beleza” já diz tudo. Antes de eu ser uma pessoa com deficiência, eu sou mulher. E esse projeto veio como uma renovação na minha vida: eu era de uma forma e fiquei totalmente diferente. Hoje eu sou muito mais realizada, bonita, atraente. Onde eu chego, sou bem notada. E não somente pela deficiência, mas pela aparência. Geralmente, a sociedade olha para nós, pessoas com deficiência, fala “Nossa! Você é tão bonita, mas é cega”, achando que somente pelo motivo de ter uma deficiência, a pessoa deve ser feia e não é assim. Esse projeto fez nascer uma nova mulher em mim: hoje eu já sei como arrumar meu cabelo, e é aí que me sinto uma mulher poderosa. Juntando tudo, maquiagem, cabelo, autoestima, eu sou uma nova mulher com toda certeza. Para mim, o “Muito Além da Beleza” foi tudo. É um projeto que eleva a autoestima da mulher com deficiência visual. E eu só tenho a agradecer, assim como outras mulheres como eu. Eu já me amo cega. Cega, e agora bonita e com estilo é melhor ainda!”, conta Geisa Souza, massoterapeuta que perdeu a visão as 26 anos e foi uma das alunas do trabalho mobilizador.

Crédito: JP Mubarah e Celina Germer

“Muito além da beleza” pelo país

Contentes com o resultado das seis edições do projeto, os idealizadores pretendem capacitar essas alunas para o mercado de trabalho, além, é claro, de levar o projeto para outros estados e cidades, multiplicando o conhecimento e a inclusão social. Grandes marcas no mercado da beleza como a Vult Cosmética e a Kiss New York já aderiram à causa e dão todo o suporte necessário, no entanto, a causa precisa de ajuda de todos para que, de fato, consiga atingir mais pessoas.

“Estamos trabalhando na evolução desse projeto há mais de três anos e vamos conseguir. Também é importante que iniciativas como essas reverberem pelo Brasil, mas, para isso, precisamos do apoio da iniciativa privada. Já fizemos uma experiência em Santos (SP) que foi bem-sucedida. O projeto “Muito Além da Beleza” vai maquiar o Brasil e  quebrar paradigmas sociais sobre o universo da deficiência visual”, conclui Sandra Tacla.

Relacionadas

Comentários

Perfil

Bianca Lobianco é jornalista, carioca, tem quase 30, é fã de música pop, novelas e adora um hambúrguer. Vê na moda e na beleza uma possibilidade de se reinventar de acordo com o humor, sem grandes complicações.

Instagram